Por Gustavo Campos
Objetivo: Elucidar o conceito de paradoxo da inovação e sua influência em políticas públicas para o aumento de produtividade no Brasil.
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Citados inúmeras vezes pela alta cúpula da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, que integra a estrutura do Ministério da Economia do Brasil, a obra de Xavier Cirera e William F. Maloney, Innovation Paradox, tem se tornado uma das principais referências para orientar o desenho e redesenho de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico ancorado no aumento da produtividade.
Os autores exploram o que chamam de paradoxo da inovação: se o retorno com a adoção de inovações tecnológicas é considerado extremamente alto, por que os países em desenvolvimento investem tão pouco em inovação (tanto em relação ao PIB do país, quanto o investimento médio em P&D se o recorte for por firma)? No caso dos países latino-americanos, a questão se torna mais relevante, pois quando os colocamos na balança, o problema se aprofunda, apesar do vasto retorno potencial para inovação em diversas dimensões dessas economias. Assim, empresas e governos de países em desenvolvimento, como no caso do Brasil, parecem estar deixando para trás oportunidades óbvias de crescimento da produtividade e da competitividade.
Tendo em vista esse paradoxo, os autores buscam explorar 3 barreiras que impedem o fluxo de conhecimento e governança efetivo que permitiriam o aumento da inovação e consequente ganhos de eficiência, qualidade e diversificação. Em primeiro lugar, sublinham que há uma ausência de capacidades nas firmas para empreender inovações relevantes. Em segundo, destacam a falta de complementaridades críticas para que a inovação possa florescer. Por fim, chamam a atenção para as debilidades do governo em gerenciar o aumento da complexidade e amplitude das políticas de inovação no sentido de corrigir as duas falhas anteriores.
Nesse artigo, focaremos na primeira barreira. Pondera-se, inicialmente, que a simplificação neoclássica das firmas como um ator racional com completa compreensão da trajetória necessária para alcançar a fronteira tecnológica não dá conta da realidade do que poderíamos classificar como empresa média de países desenvolvidos. Existe uma série de capacidades básicas que são primordiais para que essas empresas possam efetivamente realizar inovações relevantes. Elas vão desde competências relacionadas à contabilidade, formação de preço, desenho de layout de plantas fabris até conhecimentos básicos para a elaboração de um plano de longo prazo que consiga compreender as necessidades de desenvolvimento de seus recursos humanos e identificação de oportunidades de avanço tecnológico.
Sem essas capacidades mais básicas, dificilmente essas empresas conseguirão compreender qual é a fronteira tecnológica (levando em consideração seu setor, modelo de negócio e contexto geográfico e sociocultural) e qual a trajetória que sua organização terá que percorrer para alcançá-la. Desse modo, o portfólio de ações comumente utilizadas por países desenvolvidos (e replicados por países em desenvolvimento), como créditos fiscais de P&D e investimentos em institutos de pesquisas, não gerarão os retornos esperados. Para tanto, torna-se imperativo que esse público-alvo esteja apto para absorvê-los e gerar externalidades positivas a partir desses incentivos.
Ao apresentarem uma revisão das evidências recentes sobre capacidades empresariais, Cirera e Maloney argumentam que habilidades gerenciais básicas são centrais para a introdução de novos processos, tecnologias e produtos (bem como para o procedimento de patenteamento, por exemplo) e que essas capacidades são insuficientes nos países em desenvolvimento. Tendo esse panorama em mente, sugerem a introdução do que chamam "escada de capacidades", onde as empresas avançariam a partir de capacidades básicas de produção em direção à capacidade de adotar e adaptar tecnologias para, ao final, serem capazes de inventar, modificar e até revolucionar o mercado com a inserção dessa inovação.
Para reforçar esse argumento, recuperam as informações trazidas pelo World Management Survey (WMS), que permitiu um avanço considerável na análise quantitativa das práticas gerenciais e suas implicações para produtividade e para a inovação. Este survey documentou que as empresas dos países em desenvolvimento estão, de fato, atrasadas em uma ampla gama de capacidades que são críticas para a o processo de catching-up.[1]
Ao mirarmos os relatos do milagre do leste asiático, os autores iluminam para o fato que a correção dessas deficiências de capacidade foi uma estratégia comum e crítica para o sucesso no aumento de produtividade e inovação desses países. Cirera e Maloney resgatam Kim (1997), Katz (1987) e Lall (1987) para defender o argumento de que o acúmulo de capacidade tecnológica - capacidade de aprendizagem significativa - foi mais importante do que intervenções setoriais comumente citadas. O desenvolvimento dessas capacidades, no entanto, não é automático e mesmo nesses países foi um processo complexo, com tentativas e erros frequentes, e com muito investimento em treinamento e incentivo da criatividade desde a educação de base. Por isso, os autores concluem que “este processo de aprendizagem econômica - adquirindo a capacidade de absorver, adaptar, difundir, disseminar e melhorar ideias - é sem dúvida uma das principais dinâmicas do processo de desenvolvimento, independentemente da estrutura de produção econômica subjacente”[i].
Entretanto, quais seriam os principais fatores que afetam a qualidade da gestão? Bloome Van Reenen (2007) [ii], a partir do WMS, identificam a concorrência, o capital humano, a estrutura de propriedade, o ambiente de negócios, e o aprendizado com transbordamentos como os principais drivers para alcançar as melhores práticas gerenciais.
É justamente nos aspectos de capital humano e aprendizagem que o Programa Brasil Mais, lançado em fevereiro de 2020, busca atuar, podendo servir como alavanca para impulsionar diretamente a produtividade e preparar o caminho para elevar a ocorrência de inovações mais profundas e disruptivas na realidade brasileira. Incorporando o Programa Brasil Mais Produtivo (doravante B+P), que foi lançado no apagar das luzes do Governo Dilma Roussef), e mantendo o foco nos processos internos das empresas, o Brasil Mais está alinhado com a ideia dos autores de que o aprendizado pela educação formal e pela experiência prática pode gerar grandes melhorias na qualidade gerencial. Por um lado, isso pode ser percebido no movimento de empreendedores com melhor nível educacional tomando o espaço de empresas com métodos mais tradicionais e, por outro, as empresas têm demonstrado tendência a melhorar seu desempenho de mercado ao longo de seu ciclo de vida.
Assim sendo, intervenções de consultoria empresarial podem ter efeitos importantes na gestão da qualidade e aumento da produtividade. "A convergência para a fronteira das capacidades gerenciais não requer apenas concorrência que remova do mercado empresas mal geridas, mas também, e potencialmente mais importante, programas de apoio à difusão e adoção de boas práticas gerenciais"[iii].
É necessário compreender os diversos graus de maturidade das empresas e que cada estágio irá requerer ferramentas de desenvolvimento específicas. No caso brasileiro, que pode ser estendido para toda América Latina, a maior parte dessas firmas está concentrada no que Cicera e Maloney chamam de estágio 1 (ou seja, empresas que carecem das mais básicas capacidades de gestão, em geral, por serem resultado de um empreendimento não planejado, mas primordialmente por necessidade econômica do dono do negócio). Na base da pirâmide proposta pelos autores, as políticas públicas devem ser orientadas para melhoria de práticas administrativas e organizacionais elementares, modernização e melhoria básica de processos.
O contexto no qual as empresas de países em desenvolvimento estão inseridas é de atividades de inovação mais dispersas e menos sistemáticas do que nos países desenvolvidos, assim a inovação tende a ser muito mais incremental por causa da falta de fatores complementares e pela demanda insuficiente por novos bens nesses mercados ou, até mesmo, pela ausência ou insuficiência de arcabouço legal e regulatório para proteger essas inovações. Sendo assim, a política pública deveria garantir que a tecnologia, mesmo mais básica, seja acessível às empresas locais de modo que elas possam absorvê-la, seja essa tecnologia originária de outras regiões de um mesmo país, seja derivada de países avançados. Essa facilitação será crucial para o fortalecimento das capacidades gerenciais que levarão as empresas a estágios superiores de inovação.
Nesse sentido, os autores defendem uma combinação de políticas públicas que inicia com a consolidação de estruturas gerenciais e organizacionais básicas, desenvolvendo capacidades a partir de ações de extensionismo[2] que reduzam assimetrias de informação e ampliem a capacidade de absorção da aprendizagem. Esse mix também deve ser composto de incentivos à colaboração entre empresas como, por exemplo, por meio de vouchers de inovação. Além disso, deve desenvolver fatores complementares como habilidades relacionadas a ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), bem como conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA), sem deixar para trás a infraestrutura básica que canaliza todas essas potencialidades.
Voltando aos Programas de extensionismo como o Brasil Mais, os autores relatam algumas experiências internacionais positivas que confirmam o retorno de investimentos feitos em ações deste tipo. Nos Estados Unidos, por exemplo, comentam a experiência Manufacturing Extension Partnership (MEP), em que empresas participantes experimentaram entre 3,4% e 16% maior crescimento da produtividade do trabalho entre 1987 e 1992 do que empresas não participantes. Citam ainda pesquisa de Giorcelli (2016) que estudou as políticas análogas no pós-guerra na Itália, concluindo que empresas participantes de programas de produtividade tiveram aumento de vendas e a produtividade permaneceu elevada por mais tempo do que em negócios não contemplados. Há também exemplos de políticas públicas similares realizadas na Colômbia e no Chile.[3]
De modo geral, a conclusão é de que melhores práticas de gestão têm efeitos maiores e mais persistentes do que a simples compra de máquinas, tendo impactos que se perpetuam e aumentam com o tempo. Destaca-se ainda que as novas capacidades impactam também na melhoria das decisões de investimento, tornando a produção mais eficiente. A ideia parece simples, mas a mudança de mentalidade é a grande barreira que precisa ser vencida.
Portanto, não é de se surpreender que programas como o Brasil Mais e o colombiano Fábricas de Productividad (Colômbia) tenham recebido especial atenção de seus respectivos governos. Tanto um quanto o outro apostam no extensionsimo, a partir de técnicas e ferramentas que possam melhorar capacidades gerenciais e difundir uma cultura de aperfeiçoamento contínuo, movendo, gradualmente, as empresas da base da pirâmide em direção à fronteira tecnológica.
Um dos grandes desafios desses programas é modificar a percepção do empresariado de que não há o que se fazer da porta para dentro das fábricas: o senso comum de que só há problemas da porta para fora, geralmente relacionados à ineficiência estatal em prover infraestrutura logística, ambiente de negócios estável e um sistema tributário simplificado, cuja carga seja equivalente às suas contrapartidas. É verdade que todos esses problemas existem, mas o desafio da produtividade na América Latina pode ser classificado como um wicked problem (complexo, multifacetado, envolvendo muitos atores heterogêneos, o que dificulta a identificação de possíveis externalidades positivas e negativas). Portanto, é preciso enfrentá-lo em várias frentes que consigam de algum modo atuar nessas inúmeras dimensões.
Em resumo, não podemos perder o foco na oportunidade que é propiciar também uma transformação na realidade interna das empresas, provocando uma revolução na cultura gerencial e de produção, de modo a alavancarmos a produtividade que anda estagnada nos países latino-americanos desde o final dos anos 70.
Observação: As opiniões expressas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do autor e não representam necessariamente as visões do Ministério da Economia.
Notas
[1]Catching up é o processo em que economias secundárias desenvolvem capacidades para absorver técnicas, tecnologias e conhecimentos que foram originariamente desenvolvidos nas economias líderes, o que pode resultar em uma gradual convergência de produtividade entre economias periféricas e centrais, reduzindo o gap tecnológico, o que provocaria uma mudança no tabuleiro da economia global. Em geral, o leste asiático é citado como exemplo bem sucedido de catching up. [2]Segundo o Decreto nº 10.246, DE 18 DE FEVEREIRO DE 2020, consideram-se ações de extensionismo aquelas que possuem o objetivo de promover e difundir conhecimentos, técnicas e práticas produtivas geradoras de externalidades positivas, por meio da prestação de serviços, da indicação de melhorias gerenciais e de técnicas de aperfeiçoamento contínuo da gestão dos processos produtivos. [3]O governo colombiano desenvolveu o Fabricas de Produtividad (para mais informações, acesse https://www.colombiaproductiva.com/fabricasdeproductividad), enquanto no Chile, há ações desenvolvidas pela Corporación de Fomento de la Producción, fomentando a implementação de melhores práticas de produção. Um exemplo foi o Programa de Difusión Tecnológica Regional. Referências
[i]CIRERA, Xavier; & MALONEY, William F. 2017. The Innovation Paradox: Developing-Country Capabilities and the Unrealized Promise of Technological Catch-Up; Washington, DC: Banco Mundial: p. 66 [ii]BLOOM, Nicholas; & VAN REENEN, John. 2007. “Measuring and Explaining Management Practices across Firms and Countries.” Quarterly Journal of Economics 122: p. 1351–1408. ———. 2010. “Why Do Management Practices Differ across Firms and Countries?” Journal of Economic Perspectives: p. 203–24. [iii]CIRERA, Xavier; & MALONEY, William F. 2017. The Innovation Paradox: Developing-Country Capabilities and the Unrealized Promise of Technological Catch-Up; Washington, DC: Banco Mundial : p. 96.